O desenvolvimento da sociedade digital estabeleceu às pessoas físicas e jurídicas novas formas de negócios, e, por conseguinte, novas formas de contratações. No âmbito negocial, os contratos eletrônicos não são figuras tão recentes quanto aparentam, pois possuem suas primeiras aparições ainda no século XX. Contudo, estas contratações provocam insegurança às partes contratantes mais conservadoras, principalmente no que se refere à sua legalidade.
No universo dos contratos eletrônicos, estes são divididos em classes, sendo interpessoais, interativos e intersistêmicos.
Os interpessoais são aqueles que o meio eletrônico é tão somente o objeto de manifestação de vontades. Isto é, a negociação desenvolve-se de forma eletrônica, instantânea ou não, existindo de fato interação humana para ambas as partes, como nos casos em que contratada uma prestação de serviços por meio de mensagem eletrônica ou videoconferência.
Já no que se refere aos contratos eletrônicos intersistêmicos, também denominados “contratos de rede fechada”, a contratação é estabelecida entre sistemas aplicativos antecipadamente programados, não existindo a ação humana no momento em que a comunicação ocorre. Como exemplo, tem-se uma empresa que possui um sistema eletrônico que catalogou todas as peças que precisa para sua produção. Ao identificar o baixo nível de estoque, o próprio sistema comunica-se com o do fornecedor, efetuando a compra.
Por fim, os contratos interativos são aqueles em que há, de um lado, a interação humana e de outro o computador, por meio de um sistema aplicativo previamente programado. O típico exemplo deste tipo de contratação são as compras e vendas realizadas em lojas virtuais, em que o comprador declara sua vontade quando clica no item desejado, aceitando as condições e cláusulas previamente estabelecidas pelo fornecedor, concretizando o negócio.
Quanto à natureza jurídica dos contratos eletrônicos, em que pese existam discussões entre os estudiosos, ressalta-se o posicionamento proferido pelo Desembargador Romeu Gonzaga Neiva, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, na apelação cível nº 20120111804179, o qual definiu que:
“O contrato eletrônico é de mesma espécie do contrato tradicional, não se tratando de uma nova modalidade de contratação, divergindo apenas em sua forma, pois possui os mesmos requisitos para a sua validade jurídica. 3. O documento digital deve atender aos requisitos de identificação, autenticação, impedimento de rejeição, verificação e integridade, privacidade e aos princípios da neutralidade e da perenidade das normas reguladoras do ambiente digital, conservação e aplicação das normas jurídicas existentes aos contratos eletrônicos, boa-fé objetiva e figura do iniciador.”
De acordo com a corrente jurisprudencial citada, este tipo de contratação não se trata de uma nova espécie de contrato, mas de um novo modo de formação do contrato, em que a manifestação de vontade das partes é expressa de forma virtual, por meio de certificações digitais, biometria, proposta e aceite via mensagem eletrônica, entre outras.
Salienta-se, inclusive, que as assinaturas eletrônicas, por meio de certificado digital, foram regulamentadas no Brasil pela Medida Provisória nº 2.200/2001, garantindo a autenticidade, integridade e validade jurídica dos contratos eletrônicos.
Assim, no que tange à formação dos contratos eletrônicos, remete-se às determinações do Código Civil Brasileiro, especificamente no artigo 107[1], em que o legislador esclareceu que a validade da declaração de vontade prescinde de forma especial, salvo previsão específica.
Dito isso, ainda que a manifestação de vontade dos contratantes seja expressa de forma virtual, são plenamente válidas e exigíveis as avenças firmadas virtualmente, salvo nos casos em que exista uma legislação específica aplicada ao tipo de contrato que se está celebrando, como, por exemplo, um contrato de compra e venda de um imóvel com valor superior a 30 (trinta) salários mínimos, o qual exige que seja realizado por meio de escritura pública[2].
Com efeito, é importante rememorar a Resolução 51/162, de 1996, da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, sobre comércio eletrônico, que dispôs, no artigo 11, que não se negará validade ou eficácia a um contrato pela simples razão de que se utilizaram mensagens eletrônicas para a sua formação.
Desta forma, a validade dos contratos eletrônicos, assim como no modelo tradicional, está condicionada ao preenchimento dos requisitos de validade do negócio jurídico, previstos no artigo 104 do Código Civil Brasileiro, quais sejam, capacidade dos contratantes, objeto lícito, possível e determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.
O meio jurídico e negocial está constantemente adaptando-se aos avanços tecnológicos, com a ampla aceitação dos contratos firmados eletronicamente, tanto que o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a executividade de um contrato eletrônico, sem a assinatura de duas testemunhas, por entender que tal requisito teria sido suprido pela certificação digital, conforme trecho da ementa que se ora se colaciona:
“(…) 2. O rol de títulos executivos extrajudiciais, previsto na legislação federal em \”numerus clausus\”, deve ser interpretado restritivamente, em conformidade com a orientação tranquila da jurisprudência desta Corte Superior. 3. Possibilidade, no entanto, de excepcional reconhecimento da executividade de determinados títulos (contratos eletrônicos) quando atendidos especiais requisitos, em face da nova realidade comercial com o intenso intercâmbio de bens e serviços em sede virtual. 4. Nem o Código Civil, nem o Código de Processo Civil, inclusive o de 2015, mostraram-se permeáveis à realidade negocial vigente e, especialmente, à revolução tecnológica que tem sido vivida no que toca aos modernos meios de celebração de negócios, que deixaram de se servir unicamente do papel, passando a se consubstanciar em meio eletrônico. 5. A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados. 6. Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos. 7. Caso concreto em que o executado sequer fora citado para responder a execução, oportunidade em que poderá suscitar a defesa que entenda pertinente, inclusive acerca da regularidade formal do documento eletrônico, seja em exceção de pré-executividade, seja em sede de embargos à execução. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp n. 1.495.920 ? DF (2014/0295300-9) Eg. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 15/05/18)”
Salienta-se que, em que pese não exista, no Brasil, uma legislação que regule especificamente os contratos eletrônicos, tais contratações estão cobertas pela legislação já existente. A título de exemplificação, nos casos de negócios entre empresas e consumidores, “B2C”, aplica-se o Decreto nº 7.698/13, que dispõe sobre as relações de consumo no comércio eletrônico, assim como as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Já nos contratos eletrônicos realizados entre empresas, “B2B”, a regra geral para dirimir as controvérsias é a aplicação do Código Civil Brasileiro, tendo em vista que as partes contratantes são pessoas jurídicas empresárias envolvidas em uma relação comercial.
Em suma, com o exponencial crescimento das contratações eletrônicas, os campos negocial e jurídico precisam acompanhar o avanço tecnológico, a fim de proporcionar segurança aos contratantes e idoneidade aos negócios firmados. Assim, conforme demonstrado, em não havendo previsão legal específica, não há qualquer tipo de impedimento nas referidas contratações. Contudo, como de praxe, é sempre aconselhado o acompanhamento por profissional especializado, para que os contratos sejam estruturados com o propósito de preservar os contratantes e mitigar os riscos inerentes ao tipo de negócio entabulado.
Dito isso, o escritório Rech, Moraes, Oliveira & Advogados Associados sempre atento às constantes transformações do âmbito jurídico-empresarial, possui uma banca diversificada e especializada, inclusive na área do direito digital, estando aptos ao atendimento das demandas que possam surgir, tanto no âmbito consultivo, como no contencioso.
Gabriela Alves
OAB/ RS 109.610.