Deveras, os tempos atuais são de extremada dificuldade para todos, em face da pandemia existente. Mais ainda às empresas, geradoras de riqueza e renda, as quais se vêem impossibilitadas de operar ou de operar com capacidade reduzida.
Nesse passo, sem autorização para desempenharem suas atividades ou limitadas ao mínimo, às voltas com incertezas que perpassam, inclusive, pelas obrigações trabalhistas e tributárias, necessário se faz às empresas observarem atentamente as constantes alterações legislativas.
Nesse contexto, é de se alertar para as pretensões vertidas no projeto de Lei 766/2020 (link ao final do texto), de autoria do senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP)
Sob o pretexto de instituir e fomentar o Sistema Solidário de Proteção à Renda, ampliando os benefícios aos inscritos no Programa Bolsa Família e aos cadastrados no CadÚnico durante a pandemia da covid-19, o referido projeto de lei em tela, em seu art. 2°, parágrafo 3°, prevê a possibilidade de revogação da isenção de incidência do imposto de renda que atualmente abriga a distribuição de lucros às pessoas elencadas no art. 10, da Lei n° 9.249/95 (na essência, os sócios da pessoa jurídica). Veja-se a disposição do art. referido:
Art. 2º A Assistência Social protegerá a renda dos brasileiros de baixa renda durante a pandemia de covid-19, na forma do regulamento e deste artigo.
(…)
§ 3º Fica autorizado o Poder Executivo a revogar, por ato, a isenção de distribuição de dividendos e lucros de pessoas jurídicas para pessoas físicas de que trata o art. 10 da Lei nº 9.249, de 1995, para arrecadar no ano de 2020 recursos a fim de custear exclusivamente a despesa decorrente do disposto neste artigo.
Como se observa, a referida distribuição de lucro ao sócio, não bastasse já ser tributada anteriormente quando da apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, resta prestes a ser novamente tributada quando da distribuição ao sócio.
Chama a atenção a simplicidade da proposta sobre um tema de alta complexidade, pois não está claro se a tributação seria sobre os lucros apurados em 2019 e distribuídos em 2020, o que, a princípio, soa inconstitucional, ou apurados em 2020 e distribuídos em 2021. Haveria, ainda, o desrespeito ao princípio da anterioridade.
Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem se posicionado, recentemente, no sentido que o princípio da anterioridade anual (que assevera pela vedação da cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro da lei publicada) deve ser observado para a revogação de uma isenção fiscal.
Em 2014, por exemplo, ao analisar o RE 564.225, o STF decidiu que o princípio da anterioridade deve ser obedecido em um processo sobre a revogação de um benefício fiscal de ICMS. Em 2008, a extinção de desconto para o pagamento do IPVA sem a obediência do princípio da anterioridade também foi vedada pela Suprema Corte na ADI 4.016-2.
Atente-se, ainda, ser extremamente questionável o fato de o PL delegar ao Executivo o poder de revogar a isenção e estabelecer as alíquotas. Ou seja, teríamos o Poder Executivo criando tributação pelo Imposto de Renda.
Das considerações acimas expostas exsurge a necessidade de acompanhamento da eventual vigência do projeto de lei, acaso aprovado, com vistas às providências juridicamente cabíveis, para afastar a nefasta tributação, a qual mais ainda pode assolar a já tão tributada empresa.
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8076069&ts=1585748676945&disposition=inline
Berto Rech Neto – berto@rechmoraes.com.br
Aulisson Vieira Pereira – aulisson@rechmoraes.com.br