A MP 936/2020 autoriza os empregadores a reduzirem salários e jornada de trabalho dos funcionários durante a pandemia da Covid-19 (Coronavírus) para preservar empregos. Poderá haver também suspensão temporária do contrato de trabalho. Nos dois casos, o governo vai compensar parte da perda na remuneração do trabalhado.
Há a expectativa de que, com a publicação da MP 936/2020, também conhecida como “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda”, cerca 8,5 milhões empregos sejam preservados durante o período de calamidade pública.
Três aspectos importantes das alternativas previstas na MP 936/2020 devem ser destacados:
1º – A implementação das alternativas não exige negociação com o sindicato, salvo para suspensão temporária do contrato e reduções de salário e jornada superiores a 25% (vinte e cinco por cento), que devem ser ajustadas de forma coletiva apenas para empregados que recebem entre R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais) e R$ 12.202,11 (doze mil duzentos e dois reais e onze centavos).
2º – Em contrapartida à redução ou suspensão, os empregados terão garantia de emprego enquanto perdurar tal condição e por igual período da condição após o reestabelecimento da carga horária ou a retomada do contrato. Exemplo: uma empresa que reduzir jornada e salário durante três meses não poderá desligar o empregado afetado durante o período de redução e pelos três meses seguintes ao término da condição, o que totaliza uma garantia de seis meses no emprego.
3º – Para preservar a renda do trabalhador, o governo arcará com um benefício emergencial aos trabalhadores afetados, correspondente a um percentual fixo do seguro-desemprego.
Portanto, para ambas as situações – redução proporcional de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho – o benefício será custeado com recursos da União.
O benefício será de prestação mensal e devido enquanto durar a redução salarial ou a suspensão do contrato.
Passamos aos aspectos individuais de cada uma das possibilidades:
REDUÇÃO PROPORCIONAL DE JORNADA DE
TRABALHO E DE SALÁRIO
- Levada a efeito mediante a formalização de acordo individual escrito entre empregado e empregador quando a redução não ultrapassar 25% (vinte e cinco por cento);
- Levada a efeito mediante a formalização de acordo individual escrito entre empregado e empregador para os empregados que ganham até três salários mínimos nacionais (R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais)), ou para os empregados de nível superior que recebam mais do dobro do teto da Previdência Social (R$ 12.202,12 (doze mil duzentos e doze reais e doze centavos));
- Para as outras hipóteses deverão ser levadas a efeito a negociação por meio de convenção ou acordo coletivo, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 12 da MP 936/2020;
- Terá o prazo máximo de vigência de 90 (noventa) dias durante o estado de calamidade;
- A jornada de trabalho e o salário poderão ser reduzidos em 25% (vinte e cinco por cento), 50% (cinquenta por cento) ou 70% (setenta por cento);
- O benefício que será pago pelo Governo Federal tomará em consideração o valor mensal do seguro-desemprego, com aplicação do mesmo percentual da redução salarial;
- Encaminhamento do acordo ao empregado com antecedência mínima de 2 (dois) dias corridos;
- As condições normais do contrato de trabalho serão restabelecidas no prazo de prazo de 2 (dois) dias corridos a contar da data da cessação do estado de calamidade, da data fixada no acordo individual para o término do período e da redução ou a contar da data de comunicação ao empregado pelo empregador sobre sua decisão de antecipação do fim do período de redução, ou seja, a jornada de trabalho e o salário vigentes antes da redução deverão ser reestabelecidos no prazo mencionado.
O quadro abaixo sintetiza as possibilidades de redução de jornada e salário, vejamos:
Percentual de redução do salário e jornada | Valor do benefício emergencial | Possível implementar por acordo individual? |
25% | 25% do valor do seguro-desemprego | Sim |
50% | 50% do valor do seguro-desemprego | Apenas para empregados que recebem salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 ou hiperssuficientes |
70% | 70% do valor do seguro-desemprego | Apenas para empregados que recebem salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 ou hiperssuficientes |
Considerando que o pagamento do benefício alcançado pelo Governo Federal terá como base o valor da parcela do seguro-desemprego, cumpre demonstrar como este último é calculado:
Cálculo do seguro-desemprego | |
Média salarial (últimos três meses) | Valor da parcela |
Até R$ 1.599,61 | Multiplica-se a média por 0,8 (80%). |
De R$ 1.599,62 a R$ 2.666,26 | O que exceder R$ 1.599,61 deve ser multiplicado por 0,5 (50%) e somado a R$ 1.279,69. |
Acima de R$ 2.666,26 | R$ 1.813,03 |
Na prática, a título exemplificativo, para um empregado que, nos últimos três meses, teve uma média salarial de R$ 2.000,00 (dois mil reais), o valor de cada parcela do seguro-desemprego seria de R$ 1.479,87 (um mil quatrocentos e setenta e nove reais e oitenta e sete centavos). Caso esse empregado venha a ajustar com o empregador um acordo de redução de jornada na proporção de 50% (cinquenta por cento), caberá mensalmente:
– à empresa pagar 50% (cinquenta por cento) do salário do empregado, que, no caso, corresponde a R$ 1.000,00 (um mil reais);
– ao Governo Federal pagar 50% (cinquenta por cento) do valor do seguro-desemprego, que, no caso, corresponde a R$ 739,94 (setecentos e trina e nove reais e noventa e quatro centavos).
Assim, durante o período de redução de jornada, o empregado em questão receberá mensalmente o valor de R$ 1.739,94 (um mil setecentos e trinta e nove reais e noventa e quatro centavos), ou seja, sofreria um deságio de apenas 13% (treze por cento) do seu salário original.
Importante o registro de que o cálculo do 13º salário não será afetado pela redução (salário e jornada) de que trata a MP 936/2020. Com efeito, o cálculo deve permanecer com base no último salário recebido pelo empregado quando do recebimento do valor.
Outro importante registro é de que a redução (salário e jornada) prevista na MP 936/2020 também não afetará o direito às férias do empregado e o adicional de 1/3, esse último devendo ser pago integralmente, sem qualquer redução.
SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO CONTRATO DE TRABALHO
- Levada a efeito mediante a formalização de acordo individual por escrito entre empregado e empregador, exceto para empregados que percebem salário entre R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais) e R$ 12.202,11 (doze mil duzentos e dois reais e onze centavos), para os quais a suspensão somente poderá ser formalizada mediante negociação coletiva envolvendo o Sindicato dos Trabalhadores;
- Terá o prazo máximo de vigência de 60 (sessenta) dias durante o estado de calamidade, podendo ser ajustado 30 (trinta) + 30 (trinta) dias;
- A empresa deverá manter o pagamento de todos os benefícios, a exceção do vale transporte;
- Ficará descaracterizada a suspensão do contrato se o empregado prestar quaisquer serviços ao empregador, inclusive em home office;
- Quando a suspensão for pactuada por empresa que tiver auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), o Governo Federal alcançará ao empregado o valor correspondente a 100% (cem por cento) do valor do seguro-desemprego;
- Quando a suspensão for pactuada por empresa que tiver auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), o empregador terá que pagar uma ajuda compensatória correspondente a 30% (trinta por cento) do valor do salário do empregado, enquanto que o Governo Federal alcançará o valor correspondente a 70% (setenta por cento) do valor do seguro-desemprego.
O quadro a seguir sintetiza as possibilidades de suspensão do contrato de trabalho, vejamos:
ASPECTOS COMUNS A AMBAS ÀS POSSIBILIDADES
REDUÇÃO/SUSPENSÃO
- Poderão ser aplicadas para contratos de aprendizagem e de jornada parcial.
- O Benefício será pago ao empregado independentemente do cumprimento de qualquer período aquisitivo, de tempo de vínculo empregatício e de número de salários recebidos.
- O Benefício não será devido ao empregado nas seguintes hipóteses: (I) quando estiver ocupando cargo ou emprego público, cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou seja titular de mandato eletivo; ou (II) quando estiver em gozo de benefício de prestação continuada do Regime Geral da Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social, do benefício do seguro-desemprego ou da bolsa de qualificação profissional.
- O Benefício pago pelo Governo Federal não é o seguro-desemprego, mas apenas utiliza este como base de cálculo. O recebimento do Benefício não impede e não altera o valor do benefício do seguro-desemprego a que fizer jus o empregado quando for dispensado, desde que observados os requisitos previstos na Lei nº 7.988/1990.
- Para os acordos individuais, a proposta de redução ou suspensão deverá ser encaminhada ao empregado com, pelo menos, dois dias corridos de antecedência.
- Caberá ao empregador comunicar ao sindicato laboral e ao Ministério da Economia a celebração do acordo no prazo de 10 (dez) dias da sua formalização. A forma de comunicação das informações pelo empregador ao Ministério da Economia ainda será definida. Ocorrendo a observância do prazo acima, a primeira parcela do Benefício será paga no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data da celebração do respectivo acordo.
- Se a informação não for prestada no prazo de 10 (dez) dias, o empregador ficará responsável pelo pagamento da remuneração no valor anterior à redução da jornada de trabalho e salário, ou da suspensão temporária do contrato de trabalho, inclusive pelas contribuições sociais correspondentes, até que a informação seja prestada. Ainda, a data do início do pagamento do Benefício será fixada na data em que a informação for efetivamente prestada, sendo pago pelo restante do período acordado de redução ou suspensão, de modo que a primeira parcela será paga no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data em que a informação seja prestada.
- O benefício emergencial pago ao trabalhador poderá ser acumulado com o pagamento eventualmente feito pelo empregador a título de ajuda compensatória mensal. Ainda, caso a empresa queira, por liberalidade, alcançar ao seu empregado algum valor a título de “ajuda compensatória”, esse valor não terá natureza salarial.
- Acordos ou convenções coletivas celebrados anteriormente poderão ser renegociados para adequação dos termos à MP 936/2020, no prazo de 10 (dez) dias corridos da sua publicação. Considerando que a MP 936/2020 foi omissa sobre os acordos individuais passados, entendemos que cada situação deverá ser analisada de forma circunstancial.
- Deverá ser concedida garantia provisória de emprego durante o período de suspensão ou redução de jornada e por igual período após o encerramento dessa condição. Ocorrendo o desligamento durante o período de estabilidade, será devido o pagamento do período remanescente, em percentuais que variam de 50% (cinquenta por cento) a 100% (cem por cento) do salário ao qual o empregado teria direito.
- A jornada regular ou o contrato serão reestabelecidos no prazo de 2 (dois) dias corridos, na hipótese de: (I) cessação do estado de calamidade pública; (II) encerramento do período pactuado no acordo; ou (III) antecipação pelo empregador do fim do período pactuado.
ALERTA!!!!
A MP 936/2020trouxe em seu conteúdo novas regras e condições para a redução proporcional da jornada e do salário de empregados e para a suspensão temporária dos contratos de trabalho, como alternativas para enfrentar a crise causada pela pandemia do Covid-19. O objetivo do Governo foi viabilizar a manutenção da atividade econômica e principalmente dos postos de trabalho, sem causar maiores prejuízos à renda dos trabalhadores.
Muito embora a medida provisória tenha força de Lei e, no caso da MP 936/2020, autorize a possibilidade de adoção da redução de jornada de trabalho e salário de forma individual, existe grande chance dela vir a ser questionada perante o Supremo Tribunal Federal, em ação direta de inconstitucionalidade. Outrossim, entendemos, inclusive, que existe a possibilidade de que os Juízes do Trabalho, em suas sentenças, igualmente declarem a inconstitucionalidade da medida, exercendo o chamado controle difuso de constitucionalidade. O alerta se deve ao fato de que a Constituição Federal prevê, em seu art. 7º, VI[1] que o salário do trabalhador somente pode ser reduzido mediante acordo ou convenção coletiva, ou seja, pressupondo a participação do Sindicato dos Trabalhadores.
Reiteramos nosso compromisso em manter nossos clientes devidamente orientados e atualizados, para que juntos possamos superar a crise e fortalecer ainda mais nossa parceria.
Maurício de Oliveira | mauricio@rechmoraes.com.br
[1] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…) omissos
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;