Assim como no caso da Recuperação Judicial para as pessoas jurídicas em situação de vulnerabilidade econômica, em que não são mais capazes de honrar com seus compromissos financeiros, sem comprometer o regular andamento das instituições, partindo do pressuposto de que a pessoa física em situação de superendividamento necessita de proteção especial, a lei do superendividamento surge como um meio de garantir ao consumidor novos mecanismos de equalização e repactuação das dívidas, por meio de um plano de pagamento que satisfaça o direito dos credores sem levar o devedor à humilhação e à indignidade.
Nesse sentido, considerando os altos índices de inadimplência, alavancados pela pandemia da Covid-19, criou-se a Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021, que alterou o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), em reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, buscando aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.
Reconhecida por significativos avanços na defesa da dignidade da pessoa humana, a Lei do Superendividamento tem como objetivo a garantia de condições mínimas de subsistência para as pessoas que se encontram em situação de superendividamento e dispõe sobre a garantia de práticas de crédito responsável, educação financeira, prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, por meio da revisão e da repactuação das dívidas, entre outras medidas.
Desta forma, a lei define como superendividamento a situação em que o consumidor de boa-fé assume sua impossibilidade de arcar com todas as dívidas que contraiu, sem comprometer o mínimo para sua sobrevivência. Incluído pela mesma lei, o direito à preservação do mínimo existencial consiste no direito do consumidor na repactuação de dívidas e na concessão de crédito, respeitados os direitos fundamentais sociais mínimos.
Ainda, a lei disciplina medidas importantes para evitar e solucionar o superendividamento. No que diz respeito ao Estatuto do Idoso, a legislação foi precisa ao garantir que a negativa de crédito do idoso, fundada em superendividamento, não constitui crime, enquanto as alterações ao CDC são mais estruturais, dando origem a uma nova fase conciliatória na repactuação das dívidas.
A lei que altera o Código de Defesa do Consumidor, criou um instrumento de renegociação em bloco das dívidas, em um procedimento semelhante a recuperação judicial realizada por empresas, onde a pessoa física pode negociar com todos os credores de uma única vez.
À vista disso, destacam-se os artigos 104-A, 104-B e 104-C, que versam sobre o pedido de repactuação de dívidas para futura audiência de conciliação com todos os credores, presidida por juiz ou conciliador, mediante a apresentação de um plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos.
Em caso de não comparecimento injustificado de quaisquer dos credores, poderá ser declarada a suspensão da exigibilidade de seu crédito, a interrupção dos encargos de mora; sujeição compulsória ao plano e este ficará por último na fila de pagamento (artigo 104-A, §2º).
A homologação do acordo de repactuação e pagamento das dívidas terá força de título executivo judicial transitado em julgado (artigo 104-A, §3º). Além disso, o plano de pagamento apresentado deverá conter medidas de dilação de prazo para pagamento e redução de encargos; suspensão ou extinção de eventuais ações judiciais de cobrança que estiverem em curso; data de exclusão do nome do consumidor do cadastro de inadimplentes e o compromisso de que o consumidor tomará todas as cautelas necessárias para não agravar sua situação financeira (artigo 104-A, §4º). Por fim, o pedido de repactuação de dívidas não importará em reconhecimento de insolvência civil, podendo ser repetida depois de dois anos, contados da liquidação das obrigações adquiridas no plano anteriormente homologado (artigo 104-A, §5º).
Não havendo conciliação com algum dos credores, a pedido do consumidor, o juiz instaurará processo de superendividamento com o objetivo de revisar e integrar os contratos, repactuar as dívidas remanescentes por plano compulsório e citar todos os credores que estiverem fora do acordo celebrado (artigo 104-B). Será assegurado prazo de 15 dias para o fornecedor justificar sua não aceitação ao plano de pagamento voluntário (artigo 104-B, §2º), podendo o juiz nomear administrador, que em até 30 dias deverá apresentar plano complementar de alongamento de prazos e redução de encargos (artigo 104-B, §3º), sendo que o plano judicial compulsório assegurará aos credores, no mínimo, o valor do principal devido corrigido monetariamente e preverá a liquidação total da dívida, que no plano voluntário terá prazo máximo cinco anos, sendo a primeira parcela paga em no máximo 180 dias contados da homologação do acordo, com o restante das parcelas iguais e sucessivas. (artigo 104-B, §4º).
Além dos tribunais, a lei autoriza que a conciliação seja feita em órgãos como o Procon, Ministério Público e a Defensoria Pública, que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (artigo 104, C), onde todos os credores são chamados para conhecer a situação do consumidor inadimplente e receber uma proposta de pagamento.
Vale ressaltar que a possibilidade de repactuação das dívidas não se aplicará àquelas adquiridas dolosamente, sem propósito de pagamento por parte do consumidor; e aos contratos com garantia real, financiamento imobiliário e crédito rural (artigo 104-A, §1º).
A legislação também disciplina a concessão de crédito e a venda a prazo, estabelecendo como dever dos fornecedores informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre todos os fatores que envolvem a contratação (custos, taxas, encargos, total de prestações, prazo de validade, etc.) e veda a prática de assediar ou pressionar o consumidor a contratação de crédito.
Destinada a tutelar toda uma coletividade de consumidores, essas são algumas das importantes modificações trazidas pela Nova Lei do Superendividamento, que cria mecanismos de repactuação das dívidas e aumenta a proteção dos consumidores no mercado, contribuindo para a igualdade das partes nas relações de consumo.
Vitória Kathleen Silveira Assistente Jurídico.